quarta-feira, 30 de abril de 2014

A Linguagem do Coração

Pollyanna sempre ficava em poses charmosas para tirar foto
Há quatro dias perdi minha melhor amiga. Era pouco mais de 19h quando recebi o telefonema do médico veterinário comunicando o óbito da minha gatinha Pollyanna. Na hora, me debulhei em lágrimas. Nunca mais ouvirei o miadinho rouco e o barulho das unhas dela na porta do meu quarto. Não vou mais gritar 'Neném!' e ter como resposta um grunhido quase igual. Não terei mais ninguém me esperando no sofá quando eu chegar em casa de madrugada. Não haverá mais um calombinho na minha cama arrumada.

A dor da perda soma-se a sensação de culpa. Se eu fosse um 'pai' mais zeloso, talvez ela estivesse aqui, agora, sentada no teclado do meu notebook, me proibindo de escrever um texto sobre sexualidade (que, em breve, será postado).

Não pude me despedir devidamente. Mas o que eu diria a ela? Há quem chame de loucas as pessoas que conversam com animais, afinal, o que separa o Homo sapiens sapiens das demais espécies é exatamente a capacidade de se comunicar. Não falo da comunicação como mero intercâmbio de informação, mas em sentido mais strictu – a troca de sentido. Há, no entanto, uma forma de linguagem que todo bichinho compartilha com seu proprietário: a linguagem do coração.

Toda vez que chegava em casa triste, frustrado, Pollyanna chegava perto de mim. Cheirava, dava narigadas, cabeçadas, lambidas (vou sentir falta daquela linguinha de lixa), deitava pertinho de mim até dormirmos juntos. É claro que ela não entenderia uma palavra do que eu dissesse (e eu dizia). Ela não sabia falar. Mas sabia sentir.

Acho que todo animal é um pouco assim. Mesmo triste, no domingo (27) eu fui a casa de um amigo. A cadelinha dele sempre foi muito agitada e qualquer visita é motivo para ela latir incessantemente. Quando cheguei, ela latiu e logo ficou pertinho de mim, querendo me lamber e receber carinho. Pouco latiu. Acho que ela percebeu que eu estava desolado.

A pior parte da perda é dar destino ao corpo. Pollyanna nos deixou na noite de um sábado: não havia lugar aberto para cremar e eu não sabia exatamente como enterrar. A clínica onde ela morreu, muito solícita, sugeriu que congelássemos o corpinho dela até decidirmos. Depois de uma pesquisa rápida na internet, descobri que enterrar cadáver pode contaminar o solo e o lençol freático. Minha mãe sugeriu que deixássemos no freezer de casa até sepultarmos (oi?). Por R$ 190, a gata seria cremada junto com outros animais; R$ 400 era o preço da cremação individual, que dava direito ao recolhimento das cinzas. Optei por cremá-la numa clínica veterinária da Prefeitura do Rio, em São Cristóvão, por R$ 10,50.

Se soubesse que terminaria daquele jeito, eu teria enterrado o corpinho dela no mesmo dia. Somente na segunda (28) eu retirei os restos mortais que estavam no freezer da clínica. Ela estava dentro de um saco preto, para eu não me impressionar. Foi em vão: saber que ela estava ali, dura e fria – literalmente – dentro de um saco de lixo me deixou arrasado. Tive que pegar o metrô para chegar ao crematório e pensava como as pessoas reagiriam se descobrissem que era uma gatinha que estava congelada dentro daquele saco preto. Eu também tinha medo de ela começar a descongelar antes de eu chegar a São Cristóvão e exalar odores. Mas consegui chegar a tempo.

O fim dela foi desumano. Se me permitem o neologismo, desanimal. Depois de pagar a taxa da cremação, fui obrigado a vê-la ser arremessada num incinerador, como se fosse lixo. “Só vamos acender o forno a tarde”, disse o rapaz da cremação. Foi duro e, de quebra, ganhei mais um motivo para me culpar, tendo em vista que nem pude dar um fim digno para a minha gatinha.

Mais desanimal ainda foi passar pela Rua Almirante Cochrane, na Tijuca, e ver que envenenaram o cachorro de uma família que mora num sobrado na via. É desumano fazer isso com um animal. É desanimal tirar de uma família seu bichinho de estimação. Fico imaginando que eu me sentiria muito pior se eu descobrisse que a Pollyanna foi morta por envenenamento.

Durante o dia me pego pensando nela. Mesmo sabendo que ela está no Céu, eu passo pela sala, esperando que ela esteja dormindo em uma das poltronas. A noite, sonho com o corpinho dela descongelando e voltando a viver. Infelizmente, não há nada que possa ser feito para que ela volte. Mas no meu coração ela está viva, com seus pelos castanhos e marrons, olhos azuis e miado rouco. 


Perguntaram se eu pretendo adotar outro gato. Pollyanna é insubstituível e não há nada que cure a dor que eu sinto por tê-la perdido. Mas a resposta é sim: quero ter outro gato. Não agora, pois ainda não digeri a morte da Neném e ainda não tenho condições de cuidar financeiramente de outro bichano. Só vou adotar – jamais comprar – quando tiver plenas condições financeiras para arcar com todas as despesas. Até lá, tenho planos para  não deixar a memória dela se apagar. Mas isso é assunto para outra postagem.
Pollyanna Thermuthis Messalina de M. C. Saudades eternas



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