domingo, 20 de março de 2011

A Deusa, o Anjo e a Morte

Eu escrevo contos também. Mas contos de fadas nem sempre têm finais felizes.

A deusa do mar era Ánya. Poucos mortais a viram, mas os que conseguiram diziam que tinha uma aparência jovem e bela. Nas noites enluaradas, banhava-se a beira do mar, deitada na areia, ou brincando com as ondas. Algumas vezes caminhava sobre as águas. Tinha personalidade forte, porém híbrida: comportava-se às vezes muito infantil, às vezes muito madura. Alguns mortais que a viram se apaixonaram, mas todos tiveram seu amor recusado pela divindade. Outros se horrorizavam com a excentricidade de sua beleza, pois Ánya tinha longos cabelos azuis.




Em uma noite em que brincava com suas damas de companhia em uma gruta, ela viu o céu e se encantou com o brilho do lua cheia. Decidiu então que queria aproximar-se daquele fenômeno e que visitaria ou céu, onde moravam outros deuses e seres, como os anjos. Com seus poderes divinos, Ánya criou uma espécie de cordão de água que saía do mar para o céu. Usando o objeto como corda, subiu até acima das nuvens e do firmamento, na morada dos deuses celestes.

No Céu, ela pode contemplar melhor o espetáculo que era a lua cheia. No reino dos deuses celestes, a lua é prateada e as estrelas douradas. Curiosamente, todos os deuses banqueteavam-se e celebravam aquela noite. Ao perceberem a chegada de Ânya, todos a cumprimentaram. Alguns deuses cortejaram a deusa, mas foi em vão.

Além dos deuses, moravam no céu os anjos. Criaturas aladas, belas e gentis, com expressão de pureza. Durante o espetáculo, Ánya percebeu que o brilho da lua iluminou o resto de alguém em especial. Um anjo. Na mesma hora, a deusa encantou-se com a beleza e com o jeito amoroso do Anjo. Ela decidiu aproximar-se da criatura. Pediu então que Jio, a deusa da inteligência, aproximasse os dois, que aceitou prontamente o pedido da amiga, sob uma única condição:

- Não poderás ser vista com tal anjo. Encontrar-se-ão fora do palácio – disse Jio.

Ánya, extremamente seduzida pela figura do anjo, não quis saber o porquê do pedido, mas aceitou a condição imposta pela amiga. A deusa da inteligência foi até o anjo e este aceitou conhecer a deusa do mar. Para se encontrarem, Ánya e o Anjo saíram do palácio e dirigiram-se a uma nuvem mais afastada. Os dois conversaram. Ela já fora cortejada por muitos mortais, deuses, elementais, mas nenhum mexera com seu coração. O único que conseguira tocá-la era o anjo. Diferente de todos os homens que conhecera, o anjo era meigo e carinhoso. A deusa se apaixonou pelo anjo e os dois ali se amaram. E se amaram por um mês.

Passado esse tempo, no próximo dia de Lua Cheia, quando fora visitar seu amado novamente no Céu, Ánya procurou novamente o anjo. Ela vasculhou todos os quatro cantos do Céu, mas não encontrava seu Anjo. Depois de dias sem voltar ao mar, apenas procurando sua paixão, ela finalmente o encontrou:

- Meu amado, por onde andastes?

- Eu não te amo.

- Como assim? Éramos tão felizes!

- Eu não te amo. E não deveis me amar.

Desiludida, Ánya correu para o Palácio Celeste debulhando-se em lágrimas. Desesperada ela entrou no palácio e caiu nos braços da amiga Lio. Todos os deuses a acolheram. Quando foi perguntada respondeu o que ela jamais deveria revelar em público.

- Amo um Anjo. Mas fui rejeitada.

Táxon, o rei dos deuses, o mais poderoso depois do Criador, enfurecera-se.

- Como tu, uma deusa, tivera coragem de envolver-se com um anjo?

- Eu o amo.

- Mas isto é contra as leis divinas!

O que Ánya não sabia, por morar no mar, é que havia uma lei que proibia a relação entre deuses e anjos.

- Tu serás exilada para sempre no Reino dos Mortos, como castigo por tal crime.

Na mesma hora, ela foi escoltada por vários elementais que a guiaram para a porta do mundo subterrâneo. Assim que cruzou o portal em foram de arco romano, com um véu rasgado e negro, ela entrou no Reino dos Mortos. Quando olhou para trás, não tinha mais nada, além de uma parede com tijolos negros. Era claustrofóbico. O lugar era assustador. Era escuro, com uma névoa acinzentada pairando sobre o chão. Não havia céu, se não um teto coberto de plantas secas. O lugar era repleto de árvores retorcidas e secas. O ambiente cheirava a sangue, a papel envelhecido, a lágrimas e a lama. Ánya andou com muita agonia pelo lugar, pois parecia que ali havia pouquíssimo ar, quase não conseguia respirar. Até que a Morte, vestindo uma capa preta e uma enorme foice de ferro veio ao seu encontro. A deusa tentou olhar nos olhos do ser, mas não via nada se não sombras por dentro da capa preta. A deusa, porém foi muito gentil ao receber a Morte. O ser medonho acompanhou a deusa até os seus aposentos no Reino dos Mortos. No caminho, Ánya via sonhos partidos, amores rompidos, dores incessantes. No chão cacos de espelhos quebrados que cortavam o seu pé.

No tempo em que esteve lá, ela sofreu. Via a sombre de pessoas não vivas, mas não conseguia comunicar-se com elas, pois parecia que elas não enxergavam e não ouviam nada se não a própria voz. A única pessoa com quem Ánya era capaz de conversar era a própria Morte. Apesar da voz do ser parecer trovoadas, era a única ali capaz de ouvi-la.

Em sete dias, a Morte se apaixonou pela divindade.

- Eu te amo.

- Então, liberte-me – implorou a deusa.

- Não quero perde-la!

- Mas estou infeliz aqui. Se me amas, liberte-me.

- Mas tu fostes condenada! Não posso quebrar o juramento!

- Nenhum outro deus tem poder sobre tuas terras. Aqui eu não sou deusa. Aqui, só tu é deus – retrucou Ánya.

- Tudo bem, farei isto por amor. Mas ninguém que vem ao meu reino retorna sem ser amaldiçoado.

- Ó, rei! Suplico-lhe!Deixe-me sair, mesmo com maldição! – disse a divindade, ajoelhando-se de braços abertos diante da Morte.

- Tu saírás daqui. Mas tua maldição será que jamais se envolverás com outro alguém sem beber do sangue dela.

Ánya ficou horrorizada. Não queria ter que beber do sangue das pessoas que viria a amar. Mas se era condição para sair daquele tenebroso lugar, ela aceitaria.

- Aceito – respondeu a deusa.

A Morte puxou sua foice de ferro e acertou a lâmina no peito da deusa, acertando seu coração. A deusa então fora expulsa do Reino dos Mortos e voltou para o mar, onde foi muito bem recebida pelos seus súditos, que sentiam falta de sua rainha.

Numa noite de lua nova, Ánya resolveu visitar o Palácio Celeste. Os deuses, ao verem aquela figura encantaram. A deusa do mar estava mais linda do que nunca. Sua pele estava viçosa e seus cabelos brilhantes. Seu olhar, que antes era angelical, era faiscante e sedutor. Suas madeixas azuis celeste deram lugar a longas ondas azuis bem escuras. Estava mais pomposa. Mais poderosa. E todos os deuses encantaram-se por ela. Ela os dispensou

Por mais estivesse muito mais linda e poderosa após retornar do Reino dos Mortos, Ánya teria que andar sempre com a dura realidade que a seguiria pela sua eternidade: teria que fazer seu amado sangrar para poder amá-lo. E teria beber o sangue dele. A maldição da Morte.

Um comentário: