terça-feira, 23 de junho de 2015

Um negro bonito

Modéstia a parte, desde pequeno ouço que sou um “negro bonito” (modéstia mesmo, pois quem me conhece sabe que sempre tive autoestima baixa – mas aí é assunto para outra postagem). Eu, naturalmente, adorava – e adoro – receber elogios, por mais que achasse que as pessoas o faziam por educação. Também ouvia com frequência que era um “moreninho bonitinho”, ou “um mulato bonitinho” e, mais raramente – beeeeem raramente – “um negão bonito”. Se o objetivo era me convencer da minha beleza, não acho que tenho surtido efeito.


Mas, afinal, o que é beleza? A maioria dos filósofos da Arte, que costumam discutir questões sobre estética, defendem que a beleza é algo objetivo, que é um objeto a ser estudado e que haveria uma certa unanimidade quanto a percepção. Há estudiosos da área biomédica que defendem que o gosto está ligado à sobrevivência da espécie humana e seria um fator de manutenção da vida também de outros seres vivos. Também existem cientistas sociais que pensam na beleza como um fator a ser percebido e apreendido no mundo e no outro, a partir da própria construção social, introjetada pelo indivíduo. Já algumas correntes de psicologia pensam a estética como um fator subjetivo, porém, construído a partir das vivências do indivíduo com o meio externo.


Quando o assunto é arte, o conceito de beleza me preocupa. As produções “de alta qualidade” são aquelas que surgem nas classe mais altas (na academia ou na crítica cultural de uma mídia elitizada) ou as que, após um longo período, são revisitadas e caem no gosto daquela mesma elite. 


E quando o assunto é beleza humana? Não quero problematizar a minha beleza, ou a de Fulano, a de Cicrana. Não falo de casos pontuais. Mas quero entender o que torna uma pessoa “negra bonita”. Certa vez, a mãe de uma amiga criticou a filha que disse que queria ter mais bunda e menos quadris. “Ai, vai ficar igual bunda de crioula”. Eu sorri, sem graça. “Ah, Túlio! Você não é negro, NEGRO! Você é marronzinho! Tem uma cor linda! Negro, pra mim, são aqueles homens azuis!”, disse a mãe da minha amiga, sorrindo. Eu ri também. Em outra situação, escutei a justificativa para a minha beleza: “Você não tem nariz de batata, nem aquele beição”. E, mais uma vez, ri. E várias vezes passei/presenciei situações como estas, sem me dar conta do racismo que era reproduzido. Pelo discurso, eu pude concluir que só me era atribuída a qualidade “negro bonito” por um dos dois motivos: ou era bonito porque tinha alguns traços “embranquecidos” (pele um pouco mais clara, nariz pequeno, etc.) ou para marcar que a beleza negra é um categoria diferente de beleza. Um nível inferior de estética.

É engraçado como, quando se entra em questões acerca de beleza humana, estética passa a ser um assunto pessoal. “Cada um tem o seu gosto”, afinal. E é verdade. Eu só me pergunto o porquê de a maioria das pessoas bonitas – só bonitas, sem restrições semânticas diante da palavra – são brancas: galãs de novelas, modelos, capas de revistas, comerciais… Em 99,9% dos casos, são pessoas bonitas – não “negros bonitos” (tendo em mente o conceito de beleza que não abraça as pessoas negras). Sendo assim, até que ponto o gosto pessoal não recebe influência desta cultura? Será que a maioria da população não acha negros bonitos por influência da mídia, que não se esforça muito para mudar os esteriótipos, ou a mídia é fruto desta cultura que supervaloriza a beleza caucasiana, deixando a “beleza negra” como casos excepcionais?


A mulher, por si só, já é subjugada pela cultura falocêntrica. A negra, então, quando promovida a “negra bonita”, não só é tratada como objeto, mas como uma subserviente: é a empregada servil, a mulata sensual ou a prostituta da zona. O homem negro, quando “negro bonito”, é o popular, “pirocudo”, “cafuçu”, da camada inferior que irá realizar as fantasias do homem ou da mulher – quase sempre brancos, a quem presta serviços. Resquícios dos anos de escravidão? Talvez…


Torço para que chegue logo o momento em que eu, Lupita N’yongo, Juliana Alves, Rocco e Camila Pitanga, Sheron Menezzes, Marcelo Mello e milhões de outras pessoas sejamos pessoas apenas bonitas.


Leia também:
Túlio, o negro. Racismo e um pouco de cotas.

Um comentário:

  1. Amei seu texto ! Me fez refletir sobre esta concepção de beleza convencionada.. parabéns!

    ResponderExcluir