Ela não
é corcunda, não tem a pele verde nem uma verruga na ponta do nariz.
Não usa preto (segundo ela, não pode se vestir com esta cor) nem
chapéu pontiagudo. Sempre que a vejo está com uma vassoura, mas
certamente não a usa para voar. Varinha de condão? Harry Potter?
Acho que ela nem sabe do que se trata.
Certamente
entende de magia. Relatou ter encontrado pessoas que já faleceram,
que ouve vozes do além e que já realizou um feitiço – uma
bruxaria para o amor, mas ela mesmo não recomenda. Passou por
rituais de iniciação, um dos quais deu errado, acarretando em uma
enxaqueca eterna. Ela é assim, meio (totalmente?) bruxa.
Seus
traços não negam a ascendência indígena. É uma jovem mulher, de
seus trinta e tantos anos, mas cuja beleza jovial esconde as
cicatrizes que a vida deixou em sua alma. Chega a ser um mistério o
fato de ela não culpar o mundo pelos seus muitos problemas. Esta
mulher sofreu, e muito. Não conhece a própria família, não sabe
do seu passado. Veio, ainda criança, trazida pela mãe, de terras
muito distantes. Deu a luz a um filho que a rejeita, e chegou a ser
desprezada pela própria mãe. Chora.
Hécate
é, na Grécia Antiga, uma deusa ctônica, filha de uma divindade
estelar, mas que habita as profundezas do Reino dos Mortos. Tal
deidade foi associada, já na modernidade, às feiticeiras. Hécate é
como ela: conhece a luz e as trevas. Atravessa o véu tênue entre os
dois reinos com grande facilidade. Ela, a mortal, amou (e ama), odiou
(e odeia), mas nunca perdeu a esperança de ser feliz.
Seu
trabalho é perfeito. É impossível encontrar um defeito sequer em
tudo o que ela faz durante o serviço. Não se envergonha da sua
profissão, que muitos julgam inferior ou até mesmo indigna. Faz as
coisas bem-feitas – e sabe disso. E sabe o que quer também.
Gosta de
conversar. E eu também gosto. Conta como sofreu e como foi feliz,
como quer ser feliz e não desiste deste objetivo. Talvez poucas pessoas
se manteriam sãs caso tivessem o mesmo histórico que ela. De quem é
a culpa? Ela nunca disse e acho que também não quis atribuí-la a
alguém. Histórias de infelicidade não afetaram o seu semblante
sorridente. Quem a vê sorrir, jamais acreditaria onde ela já
passou, o que sofreu – e sofre.
É mesmo
uma bruxa. Não uma madrasta que tenta suprimir a enteada, ou uma
velha que tenta comer crianças. Ela é como aquelas feiticeiras que
moram em uma cabana na floresta e detêm muito conhecimento. Tanta
sabedoria não veio de instituições de ensino, mas sim da vivência,
das próprias dores e alegrias.
Ela é
bruxa, feiticeira, macumbeira, mas só ela entende a dor que sente na
alma. De tanto sofrer, sabe curar os males alheios – mas ainda não
descobriu como sanar as próprias feridas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário