sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A Bruxa

Ela não é corcunda, não tem a pele verde nem uma verruga na ponta do nariz. Não usa preto (segundo ela, não pode se vestir com esta cor) nem chapéu pontiagudo. Sempre que a vejo está com uma vassoura, mas certamente não a usa para voar. Varinha de condão? Harry Potter? Acho que ela nem sabe do que se trata.


Certamente entende de magia. Relatou ter encontrado pessoas que já faleceram, que ouve vozes do além e que já realizou um feitiço – uma bruxaria para o amor, mas ela mesmo não recomenda. Passou por rituais de iniciação, um dos quais deu errado, acarretando em uma enxaqueca eterna. Ela é assim, meio (totalmente?) bruxa.

Seus traços não negam a ascendência indígena. É uma jovem mulher, de seus trinta e tantos anos, mas cuja beleza jovial esconde as cicatrizes que a vida deixou em sua alma. Chega a ser um mistério o fato de ela não culpar o mundo pelos seus muitos problemas. Esta mulher sofreu, e muito. Não conhece a própria família, não sabe do seu passado. Veio, ainda criança, trazida pela mãe, de terras muito distantes. Deu a luz a um filho que a rejeita, e chegou a ser desprezada pela própria mãe. Chora.

Hécate é, na Grécia Antiga, uma deusa ctônica, filha de uma divindade estelar, mas que habita as profundezas do Reino dos Mortos. Tal deidade foi associada, já na modernidade, às feiticeiras. Hécate é como ela: conhece a luz e as trevas. Atravessa o véu tênue entre os dois reinos com grande facilidade. Ela, a mortal, amou (e ama), odiou (e odeia), mas nunca perdeu a esperança de ser feliz.

Seu trabalho é perfeito. É impossível encontrar um defeito sequer em tudo o que ela faz durante o serviço. Não se envergonha da sua profissão, que muitos julgam inferior ou até mesmo indigna. Faz as coisas bem-feitas – e sabe disso. E sabe o que quer também.

Gosta de conversar. E eu também gosto. Conta como sofreu e como foi feliz, como quer ser feliz e não desiste deste objetivo. Talvez poucas pessoas se manteriam sãs caso tivessem o mesmo histórico que ela. De quem é a culpa? Ela nunca disse e acho que também não quis atribuí-la a alguém. Histórias de infelicidade não afetaram o seu semblante sorridente. Quem a vê sorrir, jamais acreditaria onde ela já passou, o que sofreu – e sofre.

É mesmo uma bruxa. Não uma madrasta que tenta suprimir a enteada, ou uma velha que tenta comer crianças. Ela é como aquelas feiticeiras que moram em uma cabana na floresta e detêm muito conhecimento. Tanta sabedoria não veio de instituições de ensino, mas sim da vivência, das próprias dores e alegrias.


Ela é bruxa, feiticeira, macumbeira, mas só ela entende a dor que sente na alma. De tanto sofrer, sabe curar os males alheios – mas ainda não descobriu como sanar as próprias feridas.

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