sexta-feira, 8 de julho de 2016

Sou putinha

Sou putinha. Daquelas bem vagabundas e sujas. Daquelas que pedem para enfiar no cu e ainda ri. Não, eu nem sempre quis ser puta. Não estudei pra isso, mas foi pra onde o destino me levou. Dizem que é puta quem quer, mas acho que não é bem assim. Eu não sinto prazer quando estou dando. Sequer o dinheiro que a putaria me rende eu consigo usar, já que sou uma puta que não tem horário certo. Do jeito que está o Brasil, o jeito é ser puta mesmo. E ainda rir.

Eu até tento rir, às vezes. Sempre que aparece cliente, eu tento rir. Às vezes, não consigo. Mas dou tudo o que ele pede: dou o cu, a boceta, o ouvido, o nariz, faço boquete e ainda engulo a porra toda. Eu sei que ser tão devassa assim é prejudicial a saúde, que é uma agressão ao corpo, mas eu preciso do dinheiro. Viver como artista não paga as minhas contas e iria demorar a lucrar se eu decidisse investir na carreira de professor.

A vida de putinha não me deixa estudar para conseguir uma vida melhor. É o que tenho agora. Tenho um filho pra amamentar e ele precisa de mim. Talvez, se até o fim do ano não precisar mais dar de mamar, eu deixe a zona. Mas a zona vicia. Não, não gosto da zona que, aliás, é, uma zona em todos os sentido. Mas o dinheiro fala mais alto. Vicia. Não depender do dinheiro de ninguém é maravilhoso. Poder gritar “eu trabalho” e “a porra do dinheiro é meu” é maravilhoso. Mesmo que o dinheiro seja sujo.

A cafetina tenta me convencer que a vida de vadia é boa. Que devo lamber os beiços toda vez que um cliente goza na minha boca. Que, se eu fizer o sexo do jeitinho que o cliente gosta, eu vou crescer no puteiro. Mas sempre que olho pras outras colegas de zona, vejo todas no mesmo lugar. Ninguém cresce, ninguém muda, mesmo que peça à cafetina. “Eu preciso de você onde você está”, ela diz. Sem perspectiva pra quem é puta. A cafetina diz que teremos clientes melhores, que não precisaremos mais dar, que vamos ser apenas modelos e acompanhantes. E a gente, como putinhas obedientes, nos agarramos a essas mentiras . Um ano e meio se passou desde que comecei a vender o meu corpo e nada mudou.

Cada dia uma notícia nova. Dizem que mudarão nossos clientes, que teremos melhores quartos, mas nada muda. Os clientes só aumentam e não tem cu, nem boceta, nem boca, nem pica que aguente. E eu e as outras quengas damos o jeito que dá. O corpo doi, os órgãos baixos ardem, pegamos as doenças mais nojentas possíveis, mas damos o jeito de atender a todos os clientes.  A cafetina às vezes nem sabe que atendemos certos clientes: “Vocês atendem o Bernardo-Diego-Daniel-Francisco?”, ela pergunta. Ela, uma mulher que já foi prostituta, não faz a menor ideia do que estamos fazendo. Às vezes eu acho que ela também se prostitui, já que acata qualquer coisa que os clientes peçam, até as coisas mais esdrúxulas.

E assim acordo mais uma manhã. Ou tarde. Ou noite. Vendo meu corpo se despedaçando para poder ganhar dinheiro. Sendo vadia para ter o que comer no fim do mês, para não ter que precisar de UPA ou posto de saúde. Para não ter que dar satisfação a gente que não deveria me julgar. Para poder ter algum lazer nas raras horas vagas.

Dizem que a puta é escrava do sexo. Engano. O que prende a gente nesse ramo é o dinheiro.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Os perigos do bom escravo: quando um negro é racista

Tem sido comum as denúncias de famosos que são vítimas de racismo nas redes sociais. Lembro-me do caso da Maju Coutinho, maravilhosa apresentadora do Jornal Nacional. Também aconteceu com a Thaís Araújo, atriz e colega de empresa da Maju, e ainda com a também atriz Cris Vianna. Outro caso que veio à tona foi o de uma jovem negra de Brasília (que não é famosa) que foi vítima de ofensas racistas. A maioria das pessoas elogiavam a beleza da mulher, que é parecida com Lupita Nyongo. O mesmo aconteceu com as atrizes e com a jornalista da Globo. Mas, talvez incomodados com ofato de um negro ser elogiado, os racistas destilaram seu ódio na internet – talvez em uma tentativa de lembra-nos que o nosso lugar é na senzala, e não na casa grande, ao lado deles.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

1998: Para Túlio, com amor

Oi, Túlio.

Perguntar como você está numa hora dessas vai soar como deboche. Sei que você está passando por momentos difíceis e, na verdade, eu sou a única pessoa que sabe - e sempre saberá - o que passa no fundo do seu coração. Algumas pessoas, principalmente da família, tentarão te convencer que conhecem você mais do que você mesmo. Não acredite nisso.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Entre panos e festas: sobre apropriação cultural

Este texto faz parte de um série que estou escrevendo sobre racismo e negritude. Confira os outros textos:
Um negro bonito
Túlio, o negro. Racismo e um pouco de cotas

No início deste ano, resolvi renovar o guarda-roupa. Mudar o meu estilo, me vestir melhor, com personalidade. Sempre busquei vestir coisas que, de certa forma, dissessem algo sobre a minha personalidade ou sobre a minha história. Sempre tive vontade de usar um adorno na cabeça, mas nunca tive coragem por uma série de fatores. Foi quando descobri que os turbantes estavam em alta.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Um negro bonito

Modéstia a parte, desde pequeno ouço que sou um “negro bonito” (modéstia mesmo, pois quem me conhece sabe que sempre tive autoestima baixa – mas aí é assunto para outra postagem). Eu, naturalmente, adorava – e adoro – receber elogios, por mais que achasse que as pessoas o faziam por educação. Também ouvia com frequência que era um “moreninho bonitinho”, ou “um mulato bonitinho” e, mais raramente – beeeeem raramente – “um negão bonito”. Se o objetivo era me convencer da minha beleza, não acho que tenho surtido efeito.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Túlio, o negro. Racismo e um pouco de cotas

Dizer “eu sou negro” pode ser redundante para quem me conhece. Tipo, está óbvio – literalmente, na cara – que eu sou negro. Mas não, não é tão simples assim. Assumir sua ancestralidade (sem os mimimis “mas eu também sou descendente de espanhóis…”) é um ato de fala. Quando eu digo que sou negro, eu assumo uma história, uma realidade um contexto que, por mais que achem que estão longe de mim, estou familiarizado. Portanto, sim, eu sou negro, independente de movimento, partido, direita, esquerda, acima, abaixo, cristão, macumbeiro, etc. (sobre questões religiosas, abordarei em outra postagem).

quarta-feira, 30 de abril de 2014

A Linguagem do Coração

Pollyanna sempre ficava em poses charmosas para tirar foto
Há quatro dias perdi minha melhor amiga. Era pouco mais de 19h quando recebi o telefonema do médico veterinário comunicando o óbito da minha gatinha Pollyanna. Na hora, me debulhei em lágrimas. Nunca mais ouvirei o miadinho rouco e o barulho das unhas dela na porta do meu quarto. Não vou mais gritar 'Neném!' e ter como resposta um grunhido quase igual. Não terei mais ninguém me esperando no sofá quando eu chegar em casa de madrugada. Não haverá mais um calombinho na minha cama arrumada.