terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Os perigos do bom escravo: quando um negro é racista

Tem sido comum as denúncias de famosos que são vítimas de racismo nas redes sociais. Lembro-me do caso da Maju Coutinho, maravilhosa apresentadora do Jornal Nacional. Também aconteceu com a Thaís Araújo, atriz e colega de empresa da Maju, e ainda com a também atriz Cris Vianna. Outro caso que veio à tona foi o de uma jovem negra de Brasília (que não é famosa) que foi vítima de ofensas racistas. A maioria das pessoas elogiavam a beleza da mulher, que é parecida com Lupita Nyongo. O mesmo aconteceu com as atrizes e com a jornalista da Globo. Mas, talvez incomodados com ofato de um negro ser elogiado, os racistas destilaram seu ódio na internet – talvez em uma tentativa de lembra-nos que o nosso lugar é na senzala, e não na casa grande, ao lado deles.

Este texto faz parte de uma série que estou escrevendo sobre negritude. Leia mais!
Entre panos e festas: Sobre apropriação cultural
Um negro bonito
Túlio, o Negro: Racismo e um pouco de cotas

Acho curioso isso ainda acontecer. Não que esteja surpreso com o fato de existir racismo – é justamente o contrário que defendo na minha série de textos sobre negritude deste blog. O que me espanta é o fato destas pessoas acharem que não serão descobertas. E racismo é crime! Ponto final! E o criminoso precisa SIM responder civil e penalmente por seus atos, assim como o assaltante, o traficante, o corrupto, o sonegador, o estuprador, etc.

A notícia das ofensas racistas sofridas por um jornalista do Profissão Repórter na internet foi tema de uma postagem em um grupo de comunicadores do qual participo no Facebook. Havia, até então, apenas um comentário na postagem: um outro colega jornalista publicou o link para o texto de um blog de um jovem negro brasileiro, morador dos Estados Unidos. Eu sempre tento evitar acessar esses comentários, mas não resisti e cliquei. Em resumo, o texto dizia que o negro brasileiro era vitimista, diferente do negro americano – e do próprio autor do blog. Acho que é dispensável eu dizer aqui que o colega que compartilhou este link nos comentários era branco, não é?


Eu acho que o mais perigoso para a causa negra (ou de qualquer outra minoria) não é o racista que reage quando o negro mostra que não é inferior. Ele está ali, se mostrando todo o dia, seja de forma velada ou explícita, e nós temos como nos defender através de argumentos ou de ações penais. Mas e quando um negro é racista?
 

Há quem pense que isso é incomum, mas não é. Quando eu entro em um loja de departamentos, por exemplo, é quase certo que serei seguido pelo segurança da loja. Em 90% dos casos, eles são negros. Quando meu pai é abordado em uma blitz (“negro em um carrão”), o policial é, geralmente, negro. E posso dar aqui 500 exemplos de negros que praticam racismo com os próprios negros (sobre “racismo reverso”: talvez, se for imprescindível, falarei sobre em outra oportunidade). 

Isso sem contar nos casos dos negros que acusam outros negros de vitimistas, como o caso desse rapaz. E até de amigos meus. E até de mim mesmo, há alguns anos. Quando esses “negros-não-vitimistas” alcançam um patamar na sociedade, eles, geralmente, acreditam (ou enganam a si próprio) que a questão da cor da pele foi suprimida. Tolos. Eu, particularmente, acho uma covardia usar este discurso. Será que há mesmo quem acredite que a diferença gritante entre as condições de vida e oportunidades entre negros e brancos é causada apenas porque “os negros” se fazem de coitados? Me desculpem, mas, se não for cretinice, é burrice.
 

Acho que os amigos que usam este argumento esquecem que eles, na verdade, apenas se adaptaram para serem aprovados pelos brancos – e que, ainda assim, eles sempre serão lembrados acerca da sua cor de pele, e, consequentemente, “de sua origem na senzala”.
Fiquei intrigado com o rapaz desse blog. No texto sobre vitimismo, eles dizia que deixou o Brasil porque queria subir na vida. Se tornou atleta e conseguiu entrar em uma universidade americana. E que se inspira em Obama e Ben Carson, enquanto, no Brasil, ele se inspirava apenas no Jacaré do É o Tchan. Citou ainda o ex-ministro Joaquim Barbosa (um herói que, infelizmente, é aclamado pelos vilões).
 

Pode parecer irrelevante, mas notei uma necessidade de autoafirmação no blog do rapaz. Explicou que leu 200 livros em um ano, ou algo assim. Fiquei com invejinha, no início, confesso, até descobrir as artimanhas que ele usava para alcançar a meta: audiobooks, leituras dinâmicas, aplicativos que “leem” o livro para você, etc. Não vou aqui criticar os métodos (talvez o faça no meu outro blog, o Tubos de Ensaios, sobre linguagens), até porque acho super válidos. Mas deixo aqui a questão: será que o objetivo dele era acumular informação e enriquecer sua mente ou provar para alguém – e sabemos bem aqui quem é esse alguém – que ele é capaz de fazer qualquer coisa?
 

Eu fui um desses negros que se dizia diferente. E, hoje, ainda em processo de desconstrução, posso afirmar que o problema do negro não é o vitimismo. Vitimismo beira o oportunismo, e o negro – no Brasil e, de certa forma, nos EUA – , na maioria das vezes, sequer tem chance de ter oportunidade. É claro que há pessoas vitimistas entre as minorias e, principalmente, entre as maiorias, mas não é isso que leva à discrepância entre as condições socioeconômicas entre negros e brancos. Usar este argumento é, inclusive, omitir o contexto histórico da África no Brasil e no mundo. Infelizmente, preciso admitir, muitos dos casos em que o negro ascendeu de alguma forma, foi porque se submeteu ao branco, que o aprovou.
 

Tudo isso me lembra um ditado: “a árvore, quando está sendo cortada, observa com tristeza que o cabo de machado é de madeira”. Uns dizem ser de origem árabe, outros, de origem africana. É polissêmico, mas vale a reflexão.

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